Durante muito tempo o conhecimento ficou reservado a segmentos restritos da sociedade. Papiros e pergaminhos costumavam ficar retidos em mosteiros e bibliotecas de acesso privilegiado a mestres, sacerdotes e iniciados. Quando a afluência ao conteúdo foi democratizada pelo advento renascentista, julgou-se, preliminarmente, que o saber também o seria. Acontece que a informação não nos assegura da formação moral, nem sequer da conquista da sabedoria. Com o surgimento da internet e das redes sociais, dados começaram a ser disponibilizados à velocidade da luz, desafiando a capacidade de absorção das mentes humanas. Acontece que dados são apenas matéria-prima da informação, demandando tratamento sistematizado e análise crítica para que alcancem relevância. Da restrição de acesso fomos catapultados à sobrecarga informativa. Quando ainda discutíamos estratégias de potencializar o poder da mente e equacionar o tempo insuficiente, descobrimos que o compromisso com a veracidade não é proporcional à avidez por publicação.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu que em paralelo à pandemia da COVID-19, foi deflagrada uma infodemia, conceituada por enorme quantidade de notícias conflitantes, nem sempre verossímeis, com disseminação exponencial.
É nossa responsabilidade na condição de leitor verificar fonte, certificar idoneidade e usar de discernimento, alcançando o cerne das questões com intelegere, capacidade de escolher dentre opções existentes. Parece que a superficialidade da sociedade contemporânea alcançou a leitura, abandonando-se o estudo profundo do significado etimológico das palavras e a reflexão fundamentada em valores éticos. Por outro lado, a arte da “escutatória” igualmente relevante no aprimoramento de conceitos tornou-se impossível aos detentores de convicções inflexíveis. A obtenção dialógica exige contraste entre silêncio e som, desde que ideias divergentes sejam apresentadas numa interação respeitosa e construtiva. Se não tratarmos a comunicação com respeito e seriedade necessários, seguiremos vulneráveis à confusão social e fomentaremos tantos distúrbios psicoemocionais, que poderemos ficar conhecidos como “Geração Burnout”.
Nem a Ciência tem passado incólume à precipitação, já que recentemente testemunhamos perplexos à exposição de pré-prints, posteriormente recolhidos com erratas constrangedoras. Emitir opinião, apenas como reação às influências externas, pode representar arco reflexo de respostas impensadas e egoicas, promotoras de conflitos e dissensões. Esclarecer é trazer luz à realidade humana, propiciando evolução pacífica e harmoniosa numa espiral ascendente de crescimento, motivada pela avidez de aprendizado e autossuperação.
Artigo veiculado no Jornal A Tarde - Seg , 03/05/2021 às 18:03 Por Drª. Maíra Dantas
*Maíra Dantas é médica intensivista, especialista em Gestão em Saúde e coordenadora do Curso de Bioética, Ética e Direito Médico do Exercício Profissional, da Universidade Federal da Bahia
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